"COMO iriam decidir os sete membros do Conselho de Justiça da FPF quanto aos recursos do Boavista e de Pinto da Costa na reunião da passada sexta-feira? Feitas as contas, e atendendo às posições, em contactos informais, com os vários conselheiros, que foram sendo afloradas, a votação daria sempre ou 5-2 ou 4-3 contra as pretensões de panteras e dragões.
Aí, foi criado, pelos defensores do Boavista e do FC Porto um plano de contingência, a ser espoletado pelo presidente do CJ, Gonçalves Pereira, e que passava pelo pedido de afastamento do conselheiro João Carrajola de Abreu, através de um incidente de suspeição, a propósito de uma alegada incompatibilidade deste, enquanto membro, na FPF, na Comissão do Estatuto e Transferências do Jogador. Se esta variante passasse, os eventuais 4-3 contrários a Boavista e Pinto da Costa seriam transformados num 3-3 onde prevaleceria o voto de qualidade do então presidente do CJ, Gonçalves Pereira, vereador da Câmara de Gondomar e ex-presidente da AG do clube. Dessa forma, o Boavista e Pinto da Costa veriam ser dado provimento aos recursos apresentados, mantendo-se os axadrezados na Liga Sagres e o podendo ainda o FC Porto vir a aproveitar da vitória de Pinto da Costa na UEFA.
TIRO PELA CULATRA
Porém, o tiro saiu pela culatra a Gonçalves Pereira, vereador da Câmara de Gondomar, onde Valentim Loureiro é presidente e José Luís Oliveira (um dos principais réus do Apito Dourado), vice, e que nunca se afirmou indisponível para julgar o recurso do Gondomar no Apito Dourado!.
Enquanto a reunião do CJ decorria no 6º andar do edifício da FPF, Gonçalves Pereira chamou Carrajola de Abreu para lhe solicitar que abandonasse a reunião, atendendo à incompatibilidade de que estava alegadamente ferido. O conselheiro de Setúbal, relator do recurso de Pinto da Costa no FC Porto-Estrela da Amadora, que decidiu, inclusivamente, chamar os dragões ao processo, reagiu de forma indignada ao pedido e exigiu que, nos termos regulamentares, fosse o plenário do CJ a decidir. A votação foi arrasadora para Gonçalves Pereira que perdeu em toda a linha. O CJ não admitia que a deliberação que Gonçalves Pereira já trazia feita passasse. Perante este cenário, o presidente do CJ decidiu dar por encerrados os trabalhos, independentemente dos assuntos que continuavam sobre a mesa. Pediu então ao director jurídico da FPF, João Leal, que elaborasse uma acta até àquele momento, em que dava os trabalhos por findos. Ambos a assinaram, João Leal apenas em cumprimento de um dever administrativo, sem que a sua assinatura o vinculasse ao mérito do que estava escrito.
Simultaneamente, e ao aperceber-se de que os restantes conselheiros, excepção feita a Costa Amorim, não tinham desmobilizado, Gonçalves Pereira deu ordem aos funcionários federativos que deixassem de secretariar a reunião e abandonassem as instalações. Foi-lhe dito que aqueles funcionários apenas recebiam ordens da FPF e após uma consulta a Gilberto Madail permaneceram na FPF até ao fim dos trabalhos.
PROCESSO AO PRESIDENTE DO CJ
Perante a gravidade dos factos em presença, da tentativa musculada de afastar Carrajola de Abreu até à ordem dada aos funcionários da FPF, e tendo em conta que nenhuma razão substancial justificava a interrupção dos trabalhos, os cinco membros do Conselho de Justiça que permaneceram no 6º andar da FPF decidiram prosseguir a sessão, tomando, para tal, as seguintes medidas:
Instauraram um processo disciplinar ao presidente do CJ, Gonçalves Pereira; e declararam nula a acta por ele assinada que dava por finalizados os trabalhos. O que quer dizer que esta não produzia quaisquer efeitos, era como se nunca tivesse existido.
Antes deste passo, os conselheiros analisaram todos os pontos das leis e regulamentos, do Estatuto dos Funcionários da Administração Pública ao Código Administrativo e concluíram que nada os impedia de prosseguirem, com total legitimidade deliberativa, a reunião.
Deveria ter sido Mendes da Silva a assegurar a direcção dos trabalhos, na sequência da suspensão e processo a Gonçalves Pereira, missão que delegou, por questões de saúde, em Álvaro Baptista. Porém, antes de partirem para a matéria de facto, ou seja, os recursos de Pinto da Costa e do Boavista, os conselheiros, excepção feita a Gonçalves Pereira e Costa Amorim, que entretanto também abandonou as instalações, asseguraram-se da blindagem jurídica da sua própria legitimidade…
De facto, quer os estatutos, quer os regulamentos da FPF dão cobertura plena às decisões entretanto tomadas pelo CJ.
Uma vez decidido que o recurso do Boavista era improcedente, a única possibilidade que resta ao clube do Bessa é recorrer aos tribunais administrativos, embora, se for tomado em conta o exemplo do Gil Vicente, esse expediente não evite a descida de divisão dos axadrezados. O mesmo se aplica ao FC Porto, que ao não ter recorrido da pena de seis pontos por tentativa de corrupção, depositava no recurso de Pinto da Costa todas as esperanças, invocando o artigo 482 do Código de Processo Penal. Agora, embora para a UEFA ou o TAS nada disso seja relevante, tudo o que Pinto da Costa pode fazer é seguir a via sacra do Gil Vicente. As decisões estão tomadas, em sede desportiva, com plena legitimidade formal e material. O caso desportivo está julgado. Os destinatários dessas decisões podem recorrer para os tribunais administrativos, mas os efeitos transitados desportivos são definitivos, assim determina a lei.
O QUE SE SEGUE
A partir de agora, os clubes interessados, Pinto da Costa e a Liga serão notificados do acórdão do CJ. Se a notificação seguir por faxe em tempo útil, será o Paços de Ferreira a integrar o elenco do sorteio da Liga Sagres, na segunda-feira. Caso contrário, o Boavista surgirá, com asterisco, no quadro de concorrentes.
Espera-se, entretanto, para o dia de hoje, um contacto entre Hermínio Loureiro e Gilberto Madail no sentido de que a Liga tenha em sua posse todos os dados relativos aos participantes nas competições profissionais, assim como se deverá dar por homologada a classificação da Liga, de acordo com a decisões irrecorríveis da madrugada de ontem do CJ.
Neste momento, atendendo a que a FPF conviveu manifestamente mal com a forma de actuar do Conselho de Justiça a partir do momento em que o juiz Herculano Lima se demitiu da presidência daquele órgão, Gilberto Madail deverá agilizar todos os processos no sentido de dar por concluída a temporada de 2007/08, à imagem do que sucedeu durante a crise do «caso Mateus».
Aliás, do ponto de vista jurídico estamos perante situações semelhantes em que a sede de recurso passa a estar fora do âmbito desportivo e sem consequências nessa área.
Da FPF é também esperado para amanhã a comunicação à UEFA (ver caixa) dos desenvolvimentos do caso Pinto da Costa que, uma vez confirmada a suspensão, deixa o FC Porto, que não recorreu da sanção de seis pontos por tentativa de corrupção aplicada pela CD da Liga, sem argumentos para evitar a penalização.
A UEFA E O TAS
Perante as decisões do CJ da FPF, a UEFA e o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) vão ser informados - independentemente do que a FPF fizer - já amanhã, por Benfica e V. Guimarães. Poderá suceder que a UEFA decida reapreciar o processo sem que a isso seja instada pelo TAS, de maneira a não ser sujeita a uma eventual vergonha de ser obrigada a rectificar posições. Como a decisão do CJ da FPF, ao contrário do que estava enunciado nos pressupostos do acórdão do Comité de Apelo da UEFA, surgiu em tempo absolutamente útil, será normal que o caso seja imediatamente reapreciado. Aliás, as declarações de Michel Platini sobre a matéria não deixaram dúvidas quanto ao entendimento de Nyon sobre casos que atentem contra a verdade desportiva susceptíveis de contaminar a credibilidade da Liga dos Campeões.
José Manuel Delgado, "A Bola"
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