Em duas décadas de pântano futebolístico (1994-2009) não sofri metade daquilo que tenho sofrido nos últimos dois anos. Durante aquela época negra , o Benfica só aguentava o verão, aquele espacinho entre a primeira e a quarta jornada, altura em que passávamos pelas Antas para a habitual sessão de sodomia com pitons. O Sporting não chegava ao Natal, não era? O meu Benfica pós-Artur Jorge não durava até ao verão de São Martinho. As castanhas já vinham com um encolher de ombros. Não havia sofrimento, havia resignação. O sofrimento implica falhar num momento de decisão. E nós não tínhamos momentos de decisão, éramos um clube de loseiros, habituados a ver os momentos de decisão dos outros. Agora as coisas são diferentes. Estas duas épocas estão a doer, porque tivemos o chupa-chupa na mão, porque julgámos que a miúda gira estava mesmo a olhar para nós e, afinal, estava a olhar para o pintas do lado.
"O que fazer? O que dizer?", perguntavam anteontem algumas sms de amigos. Bom, já pensei em entrar em negação, já pensei em ser do Beleneses ou da Académica para ver futebol na anémica posição papai-mamãe, já pensei em desligar-me da bola, já pensei em seguir o conselho da minha mulher, isso é só futebol, ó doente, já pensei em não ir ao estádio, para quê sofrer, porra?, já pensei em não seguir os jogos pela tv, até poupávamos dinheiro, ouviste?, já pensei, no fundo, em cortar o cordão umbilical com o meu relógio biológico . "Para quê sofrer com isto?" parece ser uma pergunta tão lógica, tão certa, tão cartesiana, não é? Pois, mas acho que vou fazer exactamente o contrário, acho que vou voltar a ser sócio do Benfica. A solução é apanhar os pedaços do velho cartão de sócio que rasguei aquando do advento de Vale e Azevedo, a solução é não pensar no número de pacotes de fraldas que posso comprar com 120 euros. Sim, depois de quarta-feira, a única resposta aceitável passa por regressar ao rebanho oficial. O sacaninha do Bélla Guttman não se pode ficar a rir.
Henrique Raposo
Expresso Online
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