terça-feira, agosto 05, 2008

A clubite exacerbada

"Há um mês, escrevi um texto a criticar Luís Filipe Vieira e o Benfica por andarem nos corredores da UEFA de mão estendida, a mendigar um lugarzinho na Liga dos Campeões. Fui insultado por numerosos benfiquistas, que colocaram em causa a honra da minha pobre mãe, e erguido a herói pelos portistas, que elogiaram o brilhantismo da análise. Na semana passada, escrevi um texto a criticar a SAD do Porto pela vergonhosa reacção ao parecer de Freitas do Amaral sobre a última reunião do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. Fui insultado por portistas, que me recomendaram a prática de várias actividades sexuais contranatura, e colocado nos altares pelos benfiquistas, que me elogiaram a coragem e temeram pelo meu futuro no Diário de Notícias (que eles acreditam estar malvadamente controlado pelo Futebol Clube do Porto, vá-se lá saber porquê).

Estas opiniões cruzadas e os insultos tão prontos a usar fizeram com que eu me sentisse uma espécie de Rui Santos da Avenida da Liberdade, esse grande comentador transversalmente odiado por todas as claques, com a vantagem significativa de ainda não ter sido visitado por encapuzados com vontade de me partirem as pernas. Mas fiquei a saber o que é ser atingido em força por essa doença para a qual tarda a ser encontrada vacina: a clubite aguda. O principal sintoma da clubite é este: estamos a conversar com uma pessoa aparentemente normal, com um discurso fluente e articulado, e quando o tema muda para "bola" os estores do seu pensamento fecham-se com estrondo. Nos casos mais graves, pode mesmo começar a pingar baba de um dos cantos da boca. O adepto que sofre de clubite deita para fora da janela todas as conquistas intelectuais dos últimos três mil anos: a lógica, o bom-senso, o uso da razão, a ética, o confronto civilizado de opostos - de certa forma, é um regresso às cavernas, com as opiniões dos adversários arrastadas pelos cabelos.

A Organização Mundial da Saúde deveria tomar uma posição sobre este assunto. É que a clubite não afecta apenas os pobres de espírito, os amantes do casamento entre a bifana e a imperial e os admiradores da águia Vitória: há muito comentador respeitável, habitualmente equilibrado em conversas sobre o preço do petróleo, que quando se põe a falar de futebol entra em paragem cerebral. Alguém deveria fundar uma Associação de Clubíticos Anónimos, onde as pessoas entravam e diriam: "Olá, eu chamo-me Miguel, sofro de clubite portista e há nove dias que não insulto o professor Freitas do Amaral." Assim, pelo menos, eu teria uma morada e um número de telefone para fornecer sempre que recebo mails de pessoas que estão manifestamente a precisar de acompanhamento profissional. É que quando se descobre que gostar de um clube e raciocinar não são actividades incompatíveis, o mundo ganha logo uma outra cor".

João Miguel Tavares,
DN

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