"Não me lembro de o Benfica ser bicampeão. Tinha cinco anos quando esse fenómeno do Entroncamento ocorreu pela última vez em 1984, no tempo do FMI, do Bloco Central e de Mário Soares a fazer de Passos Coelho. Nenhum benfiquista abaixo dos 40 pode ter uma memória cristalina desse momento. E até os benfiquistas acima dos 40 não podem alegar memórias consistentes de algo que não acontece há mais de 30 anos. Mas agora, sim, parece que vamos comemorar um bicampeonato. Confesso que não sei como se faz. Dá-se duas voltas ao Marquês? O curioso é que o grande arquiteto deste momento histórico continua a não ser consensual entre os benfiquistas. Jorge Jesus não tem o respeito que merece no terceiro anel. Acolá dizem que o "homem é lagarto", ali alegam "uma amizade com Pinto da Costa", além garantem que o "homem inventa" e, por fim, um pequeno grupo não tolera os erros de português do mister, como se o Estádio da Luz fosse um primor de rigor ortográfico, como se o índio do terceiro anel fosse um seguidor da obre de Houaiss.
Será que estes críticos têm noção do que está a acontecer? Após décadas de derrotas perante a Sodoma azul e branca, o Benfica está a voltar ao topo nos títulos e no futebol jogado. Desde 2009 o Benfica voltou a jogar à bola. Depois de muito tempo em coma sub-benfiquista voltei a seguir o clube com genuína convicção. Ir à Luz na era pós-Artur Jorge e pré-Jesus era como ir a um velório de um conhecido: era uma coisa que tinha de ser feita. Eu entrava no estádio com cara de enterro. Agora vou para lá com cara de Rommel, porque sei que vamos invadir a Polónia em cada jogo. "Mas ontem não jogámos nada", diz ali o crítico amnésico do mister. Discordo. Ontem jogámos muito à bola, porque controlámos um adversário superior. Boa parte dos suplente e ausentes do FC Porto seriam titulares de caras no Benfica. No verão passado, o Benfica vendeu metade da equipa e foi buscar dois reformados brasileiros. Ao mesmo tempo, Pinto da Costa investiu numa super-equipa. É por isso que este ano está a ser tão gostoso: Pinto da Costa gastou tudo e não vai ter nada.
Não vai ter nada porque Jorge Jesus está a fazer a sua melhor época como treinador. O mister perdeu meia equipa nas vendas de verão e perdeu mais meia equipa para as lesões. Mesmo assim, estamos na frente. Jesus inventou dois médios (Pizzi e Samaris), transformou um acidente sismológico num central de marcação (Jardel) e, qual mãe de santo, rejuvenesceu os dois anciãos brasileiros (Júlio César e Jonas). É verdade que o melhor futebol do Benfica foi jogado em 2010 e 2013, é verdade que este ano ainda não vimos a consistência do tiki-taka acelerado e vertical que é a essência do futebol de Jesus, mas 2014-2015 é o grande ano do mister. Estamos a fazer o impossível: quebrar Pinto da Costa com uma equipa de saldos. Por mim Jesus ficava mais dez anos".
Henrique Raposo
Expresso Online
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